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Especial: fora da China, comércio do Brasil com mundo em rápido crescimento não chega a 11%

(Agência Estado)
A forma como o Brasil conseguiu capturar as oportunidades abertas pela ascensão econômica da China não se repete na mesma intensidade quando se olha para o comércio com as demais economias em crescimento acelerado no mundo. Apesar de avanços na maioria dos casos, a interação comercial na última década com os países que mais ganharam peso na economia global ainda está longe de seu potencial, se excluída a China da análise. No ano passado, esses países foram o destino de 10,6% das exportações brasileiras, ou o equivalente a apenas um terço das vendas do Brasil à China.

Pode parecer um porcentual significativo, porém é preciso ponderar que o fluxo é, em sua maior parte, puxado por negócios com o Sudeste Asiático, o que é visto por especialistas como uma extensão da dependência do comércio brasileiro com a China, dada a integração da região - formada por países como Indonésia, Malásia e Vietnã - com a segunda maior economia do mundo.

Fora da grande área de influência chinesa, há países em que o Brasil perdeu espaço nos últimos dez anos, sendo a Índia o caso mais emblemático, e outros, como Turquia e Bangladesh, em que as exportações mais do que dobraram no período. Nada comparável, no entanto, com o impacto da China na balança comercial brasileira.

Se somado o fluxo do Sudeste Asiático com o dos demais países em crescimento, um grupo que inclui ainda Etiópia, Iraque, Irlanda e Uzbequistão, o volume adicionado às exportações brasileiras na última década beirou os US$ 10 bilhões, uma cifra considerável, mas distante dos US$ 37 bilhões gerados pelo crescimento do comércio com a China. Trata-se de uma diferença que não pode ser explicada pelo tamanho da economia chinesa, na medida em que a fatia global do Produto Interno Bruto (PIB) somado desse grupo, de 16,8%, está próximo do peso da China na economia global: 17,4%, conforme mostram as estatísticas do Banco Mundial.

A falta de competitividade, cuja solução depende da eliminação de gargalos estruturais que geram um desigual custo de produção no Brasil, é o motivo frequentemente citado por empresários ao tratar das dificuldades que impedem o País de entrar em novos mercados e perseguir uma pauta de exportações menos concentrada em produtos primários. Contudo, especialistas em comércio exterior apontam também outras causas, incluindo na conta erros de estratégia em mercados internacionais, o isolamento comercial histórico do Brasil e os atrasos numa agenda que deveria ser de estreitamento de laços com a Ásia, a grande força emergente da economia mundial.

"O deslocamento econômico e, consequentemente, de poder para a Ásia é relativamente novo e o Brasil ainda não percebeu esse fenômeno em toda a sua dimensão. Estamos conectados com a China, não com a Ásia", diz o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Renato Flôres, um estudioso do intercâmbio comercial do Brasil com o, como ele mesmo chama, "não China".

Para entender as necessidades de consumo e de investimentos, bem como as contrapartidas que o Brasil pode oferecer a esses países, o núcleo de prospecção e inteligência internacional dirigido por Flôres na FGV vem dialogando com embaixadores de diversos países asiáticos em entrevistas transmitidas pelo Youtube. Depois do embaixador da Indonésia, Edi Yusup, o primeiro a abrir a série há três semanas, a ideia é trazer, entre outros, representantes de Vietnã, já agendado para o fim deste mês, Filipinas, Malásia, Tailândia e, talvez, Cingapura.

A ênfase inicial do projeto, chamado de Focus on Asia, no Sudeste Asiático não é aleatória. A transferência da manufatura de baixa complexidade - dentro do processo de transição da China rumo à indústria de tecnologia - fortaleceu o intercâmbio comercial da região com o gigante do continente, resultando em melhora de renda da população e, consequentemente, maior consumo de alimentos. É aí que o Brasil, como um dos maiores fornecedores de proteínas e grãos do mundo, entra na equação.

Flôres vê potencial para o Brasil ampliar em US$ 7 bilhões, para US$ 21 bilhões por ano, as exportações a países do Sudeste Asiático. É preciso, contudo, mudar a postura atual de distanciamento. "O Brasil ainda está razoavelmente de costas para a Ásia", diz o especialista.

Na lista dos 14 países que mais ganharam participação na economia global na última década (veja tabela abaixo), Turquia e Iraque, do Oriente Médio, Irlanda (Europa) e Etiópia (África) são os únicos intrusos de fora do continente asiático. Neste ranking de economias aceleradas, a Índia está entre os principais destinos do Brasil (1,4% das exportações totais), mas já consumiu mais do País. Ao se tornarem o maior produtor mundial de açúcar, os indianos reduziram as compras do produto, levando a uma queda de 17,4% das exportações do Brasil ao país na última década.

"Na década de 80, o Brasil exportava três vezes mais do que a Índia, e agora a Índia exporta 50% a mais do que Brasil. Nosso passado, estatisticamente, é melhor do que o presente", afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). "O problema é que o Brasil se acomodou em exportar commodities para a Índia."

Potenciais

Ex-secretário de Comércio Exterior e hoje estrategista da área no Banco Ourinvest, Welber Barral observa que o crescimento da participação da Ásia é um dos movimentos que mais chamam a atenção na balança comercial brasileira, fazendo com que o País consiga reverter, em alguns casos, déficits nas trocas comerciais - em outras palavras, o Brasil passou para uma situação na qual mais exporta do que importa. "Com a Tailândia, por exemplo, o saldo sempre foi negativo do nosso lado. Mas agora o Brasil já mostra superávit porque a Tailândia não só manteve as importações de soja e açúcar como ampliou a de outros produtos, principalmente alimentos", assinala Barral.

"Com certeza, as economias asiáticas seguirão crescendo e, à medida que a renda de suas populações for aumentando, o Brasil vai depender mais da Ásia como consumidor de seus alimentos", acrescenta Barral.

Pensando além dos alimentos, Flôres diz que o Brasil terá maior sucesso na diversificação da pauta comercial se der maior prioridade a produtos intermediários, como peças e tecidos, onde o custo de produção no Brasil pesa menos do que em produtos finais que percorrem todos os elos da cadeia.

"Há várias maneiras de contornar o custo Brasil. Não é um monstro que come todo mundo. Os asiáticos gostam muito de parceria, e a cadeia de valor abre possibilidades de comércio de produtos intermediários, onde há, às vezes, maior facilidade de exportar e de estabelecer parcerias duradouras", afirma o economista.

Data: 

Wednesday, March 31, 2021